Projeto individual de inclusão na comunidade – um novo paradigma para a inclusão de jovens com deficiência

Em Portugal, muitos jovens com deficiência enfrentam um vazio de opções quando terminam o ensino secundário. Tradicionalmente, estas pessoas são encaminhadas para Centros de Atividades e Capacitação para a Inclusão (CACI), instituições sobrecarregadas com longas listas de espera e, muitas vezes, respostas pouco adequadas às suas reais capacidades e aspirações. Sensível a estas lacunas, a Câmara Municipal de Cascais lançou o PIIC Me em 2023, um projeto piloto em Portugal focado na transição personalizada de jovens com deficiência para a vida ativa, fora de contextos exclusivamente institucionais. Todos os tipos de deficiência estão incorporados neste projeto: motora, visual, auditiva, orgânica e intelectual.

A equipa composta por Liliana Sintra, licenciada em Psicologia, cresceu com a integração de Núria Ismail, técnica de Reabilitação Psicomotora da Cercica. Ambas funcionam como gestoras de caso, assegurando que cada jovem tem um plano ajustado às suas necessidades, enquanto as famílias se sentem acompanhadas e apoiadas. Esta equipa trabalha lado a lado com escolas, centros de formação, Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e instituições locais, criando um ecossistema de suporte que promove a inclusão.  Além da estreita articulação com a Divisão de Apoio Pedagógico e Inovação Educativa, este trabalho envolve também outras equipas da Câmara Municipal de Cascais (CMC), nomeadamente a Divisão de Emprego e Promoção de Talento e a Divisão de Voluntariado. A Divisão da Juventude também se encontra envolvida, proporcionando uma primeira experiência de voluntariado inclusivo ao integrar estes jovens nos programas de Verão da CMC.

Segundo Liliana Sintra, o PIIC Me oferece um leque de respostas diversificadas e flexíveis, permitindo que cada jovem explore caminhos que vão ao encontro dos seus interesses e competências, após o final do seu percurso escolar. Entre as opções disponíveis estão:

  • Formação Profissional: Ligação com entidades locais para capacitar jovens em ofícios técnicos que facilitam a empregabilidade.
  • Voluntariado Inclusivo: Uma resposta nova que envolve a criação de experiências ajustadas às preferências de cada pessoa, permitindo-lhes experimentar funções em áreas que identificam como sendo do seu interesse. Esta resposta é especialmente interessante, uma vez que possibilita à pessoa empoderamento, pertença e participação na comunidade.
  • Projetos Ocupacionais: Experiências de realização de atividades úteis na comunidade, com uma bolsa de apoio pecuniário combinando treino de literacia financeira com desenvolvimento técnico e social, uma experiência mais flexível.
  • Medidas de Emprego: Apoio à integração direta no mercado de trabalho para jovens com maior maturidade adequando o seu perfil e motivações ao exercício de uma função. O processo de inclusão passa por sinalizar e acompanhar a pessoa na inscrição na Cidade das Profissões, onde a equipa de recrutamento inclusivo da Divisão de Emprego e promoção de Talento fica responsável pela gestão de caso.
  • Mediação para a inclusão – Apoio individualizado aos jovens que pode consistir em treino de gestão de tarefas, treino de mobilidade em transportes públicos, treino na compreensão e gestão das emoções, treino de estratégias de coping e auto-regulação face aos estímulos do meio, entre outros. Também os parceiros que acolhem estes jovens recebem estratégias para comunicarem de forma acessível e conseguirem adequar as suas orientações e tarefas às necessidades específicas dos mesmos.

A primeira fase do PIIC Me começa com o acompanhamento, no qual escolas e famílias são envolvidas. São chamadas a contribuir com a sua opinião sobre o perfil dos jovens, sempre acompanhadas pelos mesmos, obedecendo ao mote de “nada sobre nós sem nós”. Liliana Sintra considera este um dos grandes méritos do PIIC Me: devolver à pessoa jovem com deficiência o poder de decisão sobre os seus próprios percursos, podendo beneficiar da mediação e apoio à tomada de decisão por parte da equipa do PIIC ME, garantido à pessoa que a decisão final é da própria. Neste processo, as famílias também são acompanhadas. Em muitos casos, o PIIC Me permite libertar estas famílias do papel exclusivo de cuidadores, frequentemente assumido por falta de alternativas.

Este alívio permite aos pais retomar carreiras e projetos pessoais, promovendo o bem-estar familiar como um todo. Liliana Sintra explica que o projeto surgiu em parte devido a um conjunto de pais que manifestaram junto do executivo a preocupação pela falta de respostas para os alunos com deficiência que, entretanto, concluem o ensino escolar. Muitos sentiam que as respostas mais tipificadas e mais tradicionais de CACI ou de formação profissional não eram suficientes para os perfis diversificados dos seus filhos.

O PIIC Me desafia o olhar tradicional sobre a deficiência. Ao empoderar jovens para decidir, experimentar, errar, insistir e não ter medo de explorar possibilidades, promove-se uma visão de igualdade e participação ativa na sociedade com cidadania plena. O projeto ajuda a construir um futuro onde as pessoas com deficiência deixam de ser vistas apenas como alvo de intervenção institucional para se tornarem cidadãs plenas, capazes de contribuir para a comunidade e exercerem o seu potencial ao máximo. Ainda promove a desinstitucionalização em consonância com as orientações dadas pela Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência e a própria Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Liliana Sintra realça que as pessoas com deficiência não precisam de estar necessariamente institucionalizadas se o meio estiver preparado para lhes dar condições para que possam participar na vida das suas comunidades em igualdade de circunstância em relação às pessoas sem deficiência.

Atualmente, o PIIC Me acompanha 21 participantes, mas o impacto é acumulativo. A cada ano, novos jovens são integrados, e as respostas tradicionais, como os CACI, tornam-se reservadas apenas para quem realmente necessita. Assim, o projeto não só reduz a pressão sobre estas instituições, como também abre caminho para a criação de soluções mais inclusivas e adaptadas.

O processo de sinalização começa durante a frequência ou após a conclusão do 12º ano, quando as equipas multidisciplinares de apoio à educação das escolas sinalizam à equipa do projeto PIIC Me jovens com deficiência que beneficiam de medidas adicionais de suporte à aprendizagem e à inclusão. Seguem-se entrevistas com escolas, famílias e, finalmente, com os próprios jovens, que são sempre os principais decisores. Este método reforça a ideia de que cada indivíduo tem direito a um percurso único e à possibilidade de explorar num processo de tentativa-erro, as opções disponíveis. É uma experiência que faz parte do desenvolvimento e amadurecimento pessoal do individuo. A equipa técnica tem constatado que as pessoas que participam no PIIC Me sentem-se muito mais empoderadas porque têm poder de decisão sobre o seu futuro. A comunidade de pessoas com deficiência é frequentemente ignorada e privada do poder de decisão sobre a sua própria vida, levando a que sejam tomadas decisões em seu nome, muitas vezes por familiares e professores, sem considerar a sua vontade.

Um dos principais objetivos do programa PIIC Me é garantir o sucesso e facilitar a transição para a vida adulta, assegurando soluções permanentes e adequadas para os jovens munícipes de Cascais com deficiência.

Patrícia é um exemplo de sucesso deste programa. Inicialmente, integrou a Escola Básica dos Lombos como voluntária no âmbito do PIIC Me. Durante este percurso, e com a orientação da técnica Liliana Sintra, que a acompanhava no programa, foi identificado o seu potencial para transitar para medidas de emprego. Assim, deu-se uma mudança de enquadramento, passando de um programa para outro.

Atualmente, Patrícia encontra-se inserida em medidas de apoio à empregabilidade, sob o acompanhamento de Rosa Santos, no âmbito do Programa de Oportunidades para o Talento, promovido pela Divisão de Empregabilidade e Promoção do Talento da Câmara Municipal de Cascais.